"Chegou tarde ao teatro, a fila já tá enorme, mas tem uns amigos lá na frente… Que sorte! É só puxar um papo, se fazer de louco e ficar por ali mesmo, se deu bem! Excedendo o limite de velocidade há um tempão, olha o radar, reduz, acelera de novo – como se limite de velocidade existisse só pra multar. Atendeu o celular no cinema, foram só 50 segundos. Já passou das 22hrs, mas é só um quadro, nem vai dar tempo de o vizinho se incomodar. Que mal tem fugir do trânsito pelo acostamento, né? São só uns 2km até chegar a saída que tem que pegar… Uma mentirinha no imposto de renda aqui, um atestado médico falso pra faltar o trabalho ali… Que mal tem? É só uma cerveja, não tem problema dirigir depois… Vou só ali na locadora rapidinho e já volto, vou deixar aqui na vaga de idoso mesmo, não vai aparecer ninguém nesse interim. Veio o troco errado (pra mais), azar de quem me deu, deixa assim, me dei bem! Tem namorada, mas um beijinho só não vai matar, quem é comprometido é ele, não eu. Atravessar fora da faixa, só correr e pronto. Viu a placa de proibido pisar na grama, olhou ao redor, não tinha ninguém, correu pra cortar o caminho e ignorou o aviso. O namorado a deixou em casa, foi um amor com ele, disse que amava e fez o papel de boa moça, mas entrou no prédio e não deu boa noite ao porteiro. Fingiu que dormiu quando a grávida entrou no ônibus, ficou no celular enquanto o professor pedia atenção. Jogou o restinho do almoço no lixo seco e o papel de bala, tão pequenininho, no chão, ninguém notou. A festa no salão do prédio que era pra acabar às onze, já está quase chegando à meia-noite, enquanto ninguém reclamar, deixa assim, vamos aproveitar. Pegou o carrinho de supermercado na garagem, mas largou no elevador. Usou a roupa com a etiqueta e foi na semana seguinte trocar dizendo que não coube, comeu só um chocolatinho no mercado e deixou a embalagem por lá mesmo, que falta vai fazer pra uma empresa desse tamanho? Vou aproveitar a hora do almoço pra imprimir o trabalho da faculdade no escritório, maravilha, economizei! O atendimento foi ótimo, mas já que os 10% são opcionais, não vamos pagar. Entrou na piscina do clube com o bronzeador e deixou a garrafa de coca-cola vazia ali embaixo da árvore do parque mesmo, uma hora alguém recolhe. Descolou um aparelho que pega todos os canais do cabo clandestinamente, se permitiu comprar umas coisinhas falsificadas, que mal pode ter? Um cigarro aqui embaixo da marquise não pode prejudicar ninguém, 2 minutinhos e já terminei. Faz pose com a cachorrinha pra postar no instagram, mas não é capaz de recolher as necessidades dela durante o passeio.
Eu poderia ficar aqui até amanhã falando sobre os jeitinhos, sobre as coisinhas que as pessoas gostam de chamar no diminutivo pra amenizar o impacto, pura ilusão. Somos mais de 7 bilhões no mundo, de coisinha em coisinha, o mundo desorganiza, a ordem se perde, a coisa toda desanda. Antes de compartilhar frases de impacto feitas e clichês nas redes sociais, quem sabe a gente não começa a considerar a ideia de que as coisinhas que a gente faz não são assim tão “inhas”? E quem sabe a gente não entende de uma vez por todas que é preciso colocar antes a mão na consciência e analisar se os jeitos de se dar bem não estão prejudicando alguém ou ao todo? Eu me identifico com algumas das situações, você também, ele também, ela também, todo mundo sempre tenta dar uma burlada na regra em prol de si mesmo, se a gente conseguir minimizar esse egocentrismo, esse narcisismo, esse egoísmo e tantos outros “ismos”, talvez a gente conquiste o direito de se lamentar… mas enquanto a gente não cessar com as pequenas ações inofensivamente negativas, não adianta reclamar que o mundo anda mal. E ele anda mal."
Texto da Hariana Meinke, do blog hrnmnk.com . O blog é lindo, super recomendo.
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